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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

O amor pode adoecer pessoas? Ou pessoas são doentes por amor?

O amor, como um obstáculo a vida plena.

Diversos poetas discorreram sobre a dor de amar, o quanto se sofre por desejar estar ao lado de alguém. A dor do poeta é a dor de um amor impossível, ou por musas, que não correspondem aos seus encantos.
Com o romantismo tem-se a ideia de que existe um homem e uma mulher nascidos um para o outro como na historia de Romeu e Julieta. Um amor forte, sem fronteiras, capaz de tudo pela presença do outro, inclusive morrer, como acontece na história.
M. Scott Peck em seu livro “O caminho menos percorrido” (1978), ao descrever “O Mito do Amor Romântico” conta que a paixão tem como uma das suas características a ilusão de que a experiência do casamento irá durar para sempre. Esta ilusão é alimentada pela cultura e pelo mito que ouvimos desde a nossa infância, em que o príncipe e a princesa vivem felizes para sempre.
E como seria o amor romântico de Romeu e Julieta ao chegarem em casa altas horas após trabalhar e cansados, com crianças gritando e pedindo para brincar antes de dormir? Ou nas festas de família Julieta ter que lidar com sua sogra disputando a atenção do Romeu? Como seria esta cena de amor? Eles seriam compreensivos um com o outro? Manteriam o amor incondicional? Eis que a vida propõe: viver um amor real.
No amor patológico encontramos formas de relacionamento egoístas, em que o aprisionamento das pessoas acontece. Em alguns momentos as pessoas até percebem que fazem um ao outro sofrer, mas elas não conseguem abrir mão, porque imaginam que serão abandonadas. Acreditam que a dor do abandono será maior do que o sofrimento que elas passam.
Ao se apaixonar, a pessoa quer o amado todinho para ela, e começam os controles, ciúmes, afastamentos dos amigos e muita cobrança de atenção. A intensidade é tão forte, que o amado se torna um vício. Tudo precisa ter a presença dele, toda a alegria vem dele e daí começam os problemas. O que estava fadado pela paixão a uma eterna felicidade, começa a sucumbir ante os problemas do dia a dia. O convite para o amadurecimento está colocado pela vida, ou fazemos novos arranjos de convivência ou seremos infelizes para sempre, até que o divórcio nos separe.
A vivência do amor deve ser marcada por uma entrega afetiva sincera, sentimento de alegria e serenidade pelas pessoas envolvidas. Para isso acontecer, precisamos pensar em uma condição de amar mais espiritualizada e universal, que permita ao individuo amar sem pedir algo em troca. Amar por doação, respeitando cada um em sua maneira e principalmente a si mesmo. Quando isso não ocorre, formam “buracos” na subjetividade da pessoa e ela segue pela vida em busca de alguém que a complete.

O amor patológico acaba por adoecer a pessoa e a relação que se estabelece, pois sempre estará permeada por sentimento de medo e insegurança. Ou seja, uma será a vitima, (codependente) aparentemente frágil e a outra problemática e forte, sendo que ambos buscam o controle da relação, cada um a seu modo.
O codependente tem uma necessidade de cuidados (leia-se: “ser amada (o) o tempo todo”) que é delegada a outra pessoa supostamente forte e por este meio o controla. São mensagens de amor, que tem como fundo a ideia de controle: “Amo-te tanto, que preciso ligar várias vezes ao dia para saber de você!” “Se eu te amo tanto, como pode sair para jogar futebol e me deixar?” Assim as chantagens emocionais entram no jogo doentio de amar.

Desta forma o codependente abandona a si próprio, para alguém cuidar dele. No entanto, se mostra um grande cuidador de pessoas que padecem de algum problema. E quando não obtém o que deseja afetivamente, penaliza e responsabiliza o outro por sua infelicidade.

Assim temos uma grande confusão, pois o medo de ser abandonada (o) faz o codependente, através de suas necessidades de cuidados e de também cuidar, se colocar na relação sempre como a vítima. O codependente busca ter o máximo controle da relação, da pessoa, dos seus comportamentos e pensamentos; pois teme constantemente ser abandonado.
Erich From em seu livro “A Arte de Amar” (1956) fala que para alguém amar o outro, precisa amar e aceitar a si mesmo. Caso isso não ocorra, a desconfiança está instalada, dificultando, para esta pessoa, a crença de que alguém possa amá-la. Justifica-se assim o controle do codependente pelo ciúme, como forma de assegurar-se e evitar o abandono.

A codependência vem de um transtorno de funcionamento familiar adoecido, que geralmente está relacionado com problemas do impulso e compulssividade. São pessoas, que vivem em função de ajudar e cuidar de indivíduos problemáticos, com esta conduta sonham em ser importantes e obter reconhecimento. Os codependentes tem baixa autoestima, são muito inseguros, possuem sentimentos de culpa e não conseguem se desvencilhar de pessoas com este perfil. Este é o seu principal trunfo para não ter que pensar em sua vida. Geralmente este padrão de funcionamento passa de geração a geração através de vínculos emocionais frágeis e permeados de possessão. E as pessoas que vivem relações de amor patológico sempre buscam mudar o outro como prova do amor, tentando recuperar o amor não vivido na infância.

O amor patológico é ilusório, a pessoa se sente uma “metade” em busca de sua outra “metade” da laranja. Há uma simbiose (fusão), busca-se um amor que dê a vida por outra pessoa. E que amor será este em que se morre e se mata? Esta condição de dependência um do outro, fica muito pesada e começa a se tornar uma prisão em que um não pode escapar do outro, sem sofrer graves consequências.

No amor saudável o ser é completo, se coloca como uma unidade inteira e busca alguém inteiro para se relacionar, não busca alguém para ser dependente. Nestes relacionamentos vividos de forma harmônica, há cumplicidade, compartilhamento de momentos afetivos e situações emocionais equilibradas. Há uma conduta de caráter com o outro e com a Humanidade, de forma natural e respeitosa. Há uma concepção de ser espiritual, que como unidade, ama-se um desconhecido respeitando quem se é, porque temos respeito com os nossos próprios valores.

Neste amor saudável, que implica a doação, quanto mais se ama, mais a pessoa se sente feliz, gratificada, ainda que este amor não seja correspondido. Quem ama, respeita o desejo do amado em não corresponder a este amor. Isso é doar-se por amor.
Quando esta ideia de amor doação é quebrada, o indivíduo busca este amor simbiótico e adoecido, porque imagina que o amado, irá colar as trincas e falhas que se tem, aliviando as dores da infância. Este amor “salvador” precisa ser tão forte, que se morre por ele. Esta forma de amar é cruel, porque busca a escravização de um para a satisfação de outro. E para isso há todo tipo de artimanha, como a manipulação da pessoa para controlar a vida, afastá-lo dos amigos e familiares. Assim ninguém poderá alertá-lo do que está acontecendo. As coisas ficam mais densas quando as pessoas passam a ligar para o trabalho, seguir nos locais que a pessoa frequenta, vigiar os horários de compromissos, hora que chega ou sai e com quem foi, além de buscar em vestimentas e peças intimas vestígios de traição.

Relações de amor patológico fazem aflorar nas pessoas sintomas de paranoia, (imaginar coisas ou situações que não existem), pensamentos e atos obsessivos de controle. Quando estes mecanismos aparecem, os conflitos, brigas e discussões ocorrem frequentemente e junto vem uma enxurrada de acusações e xingamentos que tornam a relação sofrida para os dois, podendo chegar a agressões físicas e verbais e em alguns casos até a morte. No amor doentio, egoísta, mata-se por amor, para não ter que dividi-lo com mais ninguém.

Quando uma pessoa vive este amor patológico, ela não tem aceitação de si mesma e de sua própria vida, transfere para o companheiro a ideia de um amor que se for de verdade, pode dar a vida por ele, para que ela se complete.

A abstinência do amado afeta muito a pessoa que sofre de amor patológico!

Estudos realizados pela Universidade de Rutgers, e pela Universidade Stony Brook, respectivamente – nelas Ficher, e Aron, coautor de relatório sobre amor romântico publicado no Journal of Neurophysiology descobriram que ser rejeitado no amor pode produzir sintomas iguais aos vivenciados por ex-dependentes em processo de abstinência de cocaína. Ao pesquisarem pessoas que foram rejeitadas, mas continuavam apaixonadas, os estudiosos identificaram que, ao observar fotos dos ex-parceiros, eram ativadas regiões no cérebro ligadas ao apego, à abstinência e até à dor física, provocando sudorese, vômitos, que são sintomas semelhantes à abstinência de cocaína.
Para a antropóloga Fisher, assim como a dependência às drogas "o amor romântico é um vício. E pode ser um vício maravilhoso quando as coisas estão indo bem, mas um vício tenebroso quando tudo dá errado". A dependência explicaria as atitudes extremas de quem é rejeitado, como agredir o parceiro. A boa notícia é que o tempo ameniza os sintomas, pois quanto maior o tempo do término, menores são as atividades de "abstinência amorosa".

Emocionalmente isso também ocorre, porque toda a angústia e medo que o “abandonado” vive com o afastamento do amado, é sentir a sua criança interior ferida e solitária. O que a pessoa evitou em toda sua vida retorna com força intensa, não estando, geralmente, preparada para lidar com estas emoções, pode vir a adoecer, principalmente entrando em estados depressivos graves.
Vicent, em seu livro: “por que nos apaixonamos”(2004) fala que a relação de um amor patológico se torna um vício para que a pessoa não cuide de si e busque o outro como uma dependência emocional, para amortecer os próprios problemas ou inseguranças. Assim como o álcool anestesia, ou a cocaína que faz tudo virar uma festa, e como toda droga, este amor também traz consequências ruins e prejuízos nas relações.
Em situações mais calorosas em que o sentimento de posse já ultrapassou todos os limites, é fácil encontrar agressões verbais, físicas, e no desespero em não perder o outro, o que é agredido cria uma falsa ideia que apanhou porque o amado estava com muito ciúme, medo de ser enganado e por isso bateu, por amor, por amar demais!
Quando temos conhecimento de uma situação como esta, e as pessoas mantém o relacionamento com seus agressores, não entendemos que, na verdade, eles nutrem uma dependência afetiva um do outro, a ponto de um pensar que a agressividade pode ser confundida com um carinho.
Geralmente estas relações são repetições dos conflitos familiares vividos na infância e o codependente “tem a certeza” que dá próxima vez será diferente e ele irá conseguir mudar o companheiro. Este é um ciclo de violência emocional, verbal ou física que se repete por muitas vezes, até que um dos envolvidos saia da relação.

“Eu amo porque preciso me esconder e às vezes até amo porque preciso de poder! Este é o pensamento que fundamenta uma relação patológica.


O tratamento passa por psicoterapia, psiquiatria e por grupos de apoio. Existem grupos de apoio como é o caso do site Mulheres que Amam Demais Anônimas (MADA), somente para mulheres. Seu principal objetivo é estimular as Mulheres a se libertarem da dependência de relacionamentos escravizantes, destrutivos, levando-as a construir uma condição melhor e saudável de relacionamento consigo e com os outros.
Há algumas características usadas pelo grupo MADA e que se aplicam aos portadores de amor patológico baseado no livro: Mulheres que amam demais da autora – Robin Norwood.

1. Vem de um lar desajustado, em que suas necessidades emocionais não foram satisfeitas.
2. Como não recebeu um mínimo de atenção, tenta suprir essa necessidade insatisfeita através de outra pessoa, tornando-se superatenciosa, principalmente com homens aparentemente carentes.
3. Como não pode transformar seus pais nas pessoas atenciosas, amáveis e afetuosas de que precisava, reage fortemente ao tipo de homem familiar, porém inacessível, o qual tenta transformar através de seu amor.
4. Com medo de ser abandonada, faz qualquer coisa para impedir o fim do relacionamento.
5. Quase nada é problema, toma muito tempo ou mesmo custa demais, se for para "ajudar" o homem com quem esta envolvida.
6. Habituada à falta de amor em relacionamentos pessoais, está disposta a ter paciência, esperança, tentando agradar cada vez mais.
7. Está disposta a arcar com mais de 50% da responsabilidade, da culpa e das falhas em qualquer relacionamento.
8. Sua autoestima está criticamente baixa, e no fundo não acredita que mereça ser feliz. Ao contrário, acredita que deve conquistar o direito de desfrutar a vida.
9. Como experimentou pouca segurança na infância, tem uma necessidade desesperadora de controlar seus homens e seus relacionamentos. Mascara seus esforços para controlar pessoas e situações, mostrando-se "prestativa".
10. Esta muito mais em contato com o sonho de como o relacionamento poderia ser, do que com a realidade da situação.
11. Tem tendência psicológica, e com frequência, bioquímica a se tornar dependente de drogas, álcool e/ou certos tipos de alimento, principalmente doces.
12. Ao ser atraída por pessoas com problemas que precisam de solução, ou ao se envolver em situações caóticas, incertas e dolorosas emocionalmente, evita concentrar a responsabilidade em si própria.
13. Tende a ter momentos de depressão, e tenta prevení-los através da agitação criada por um relacionamento instável.
14. Não tem atração por homens gentis, estáveis, seguros e que estão interessados nela. Acha que esses homens "agradáveis" são enfadonhos.
A USP (Universidade São Paulo), no departamento de psiquiatria, oferece tratamento para o amor patológico e algumas perguntas para identificar quem sofre deste transtorno.
USP: Você sofre de amor patológico?
— Você costuma estar satisfeito com a quantidade de atenção e de tempo que dedica a seu parceiro ou faz mais do que gostaria?
— A quantidade de atenção que você dá ao seu parceiro está sob o seu controle ou você costuma tentar diminuir esta atenção e não consegue?
— Você mantém outros interesses e outras relações (com amigos, familiares etc.) ou abandonou pessoas e atividades em decorrência da sua vida amorosa?
— Você continua se desenvolvendo pessoal e profissionalmente após o início de seu relacionamento?
Pelos critérios do Instituto de Psiquiatria da USP, quem respondeu negativamente a três perguntas ou a todas provavelmente sofre de amor patológico.




Autora: Lucimaria Rangel - Psicóloga clínica
Especialista em psicanálise clínica e institucional - CEFAS
Especialista em psicologia clínica e hospitalar H-Cor SP
Atuou na ONG SOS Ação Mulher (que trabalha com violência doméstica).

Referência Bibliográfica:

From, E. A Arte de amar (1956) . São Paulo. Ed. Martins Fontes
Vicent, L. Por que nos apaixonamos. (2004) Rio de Janeiro, Ed. Ediouro
Norwood, R. Mulheres que Amam Demais. (1985) Ed. ARX.
Peck M. S. O caminho menos percorrido. (1978) Portugal, Ed. Sinais de Fogo.

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